STF JÁ DECIDIU - ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS COM APOSENTADORIAS ATÉ A REFORMA DA PREVIDENCIA

STF decide ser possível a acumulação de proventos e benefício junto ao RGPS para os aposentados até a reforma da previdência

O Supremo Tribunal Federal entendeu ainda que a competência para processar e julgar ação em que se discute a reintegração de empregados públicos em empresas federais dispensados em face da aposentadoria espontânea é da Justiça Federal.

quarta-feira, 24 de março de 2021

 

Foi retomado em sessão virtual no dia 5 de março de 2021 e finalizado em 13 de março de 2021 o julgamento do tema 606 da Repercussão Geral, representativo de controvérsia RE 655.283, de relatoria do ministro Marco Aurélio.

 

Em síntese, estavam em análise duas premissas:

I)          a competência para processar e julgar a ação em que se discute a reintegração de empregados públicos em empresas federais dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea; e,

II)      II) a consequente possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos de aposentadoria junto ao Regime Geral de Previdência Social.

 

O entendimento vencedor, por 4x3, negou provimento aos recursos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT e da União Federal pela inaplicabilidade do artigo 37, § 14, da CF/88 por força do art. 6º da EC 103/19, propõe a seguinte tese: A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/09, nos termos do que dispõe seu art. 6º.

 

Entenda o caso da repercussão geral

 

Os recursos extraordinários se insurgiram contra a decisão da 2ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no julgamento de apelação em mandado de segurança, que assentou a competência da Justiça Federal e determinou a reintegração de membros da Federação das Associações de Aposentados dos Correios - FAACO, desligados em que houvesse pagamento das parcelas rescisórias, reportando-se a precedentes nos quais o Supremo entendeu não ser a aposentadoria voluntária causa automática de extinção de vínculo empregatício.

 

Entenda o julgamento no STF

 

Em seu voto, o ministro relator, entendeu pela competência da Justiça Comum Federal para o processamento e julgamento da demanda, ao afirmar que a ação "não busca discutir a relação de trabalho com a empresa pública, mas, tão somente, a possibilidade de reintegração ao emprego público na eventualidade de obter aposentadoria administrada pelo Instituto Nacional do Seguro Social."

 

O Relator também defendeu que "a aposentação não põe fim ao vínculo trabalhista, possibilitada a cumulação de salário e proventos decorrentes do regime geral. Quando da análise do recurso extraordinário nº 387.269."

 

Eis a tese do Relatório (vencida):

 

A Justiça Federal é competente para apreciar mandado de segurança, em jogo direito a resultar de relação de emprego, quando reconhecido, na decisão atacada, envolvimento de ato de autoridade federal e formalizada a sentença de mérito antes do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004. O direito à reintegração alcança empregados dispensados em razão de aposentadoria espontânea considerado insubsistente o motivo do desligamento. Inexiste óbice à cumulação de proventos e salário, presente o Regime Geral de Previdência.

 

Após os votos do relator, acompanhado da ministra Rosa Weber, e do ministro Edson Fachin, que divergiu em parte, os ministros Alexandre de Moraes e Cármem Lúcia acompanharam a primeira divergência. O ministro Luiz Fux se declarou impedido.

 

A tese proposta pelo voto divergente do ministro Edson Fachin é a seguinte: "A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB."

 

Na sequência os ministro Dias Toffoli e Roberto Barroso também apresentaram votos divergentes, com fundamento autônomo distinto da divergência inaugurada pelo min. Fachin. Neste último julgamento virtual, os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques acompanharam a segunda divergência, proposta pelo min. Toffoli.

 

Assim, com o voto de 4 ministros a tese vencedora foi a proposta pelo ministro Dias Toffoli.

 

O entendimento vencedor

 

Em relação à competência não houve divergência, o Min. Dias Toffoli entendeu ser competente a Justiça Federal para processar a demanda.

 

Ato contínuo, "Quanto à possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos de empregados públicos aposentados espontaneamente, considero pertinente realizar breve contextualização dos entendimentos até aqui apresentados, tendo em vista que, sob dada extensão, acompanho cada um dos votos já lançados, acrescendo-lhes, porém, pontual ressalva", afirmou no voto vencedor.

 

O entendimento vitorioso assentou que deve ser observado o princípio norteador do direito previdenciário, tempus regit actum. No caso concreto os servidores e empregados públicos federais que se aposentaram antes da vigência da EC 103/19 (13 de novembro de 2019), por isso não há que se falar em óbice ao recebimento conjunto de salário e benefício. A seguir trechos relevantes do raciocínio do ministro:

 

[...] Tenho, de início, por significativamente relevante a consideração da divergência quanto ao art. 37, II, § 14 (incluído pela EC nº 103/2019), dado que, após a sua inserção, de modo expresso, a Constituição Federal definiu que a aposentadoria faz cessar o vínculo ao cargo, emprego ou função pública cujo tempo de contribuição embasou a passagem do servidor/empregado público para a inatividade, inclusive quando feita sob o Regime Geral de Previdência Social. Não obstante, tenho que o entendimento defendido pelo Ministro Marco Aurélio, apesar de se basear em precedentes firmados anteriormente à entrada em vigor da EC nº 103/2019, deve prevalecer para o caso concreto. Isso porque, é preciso considerar o conjunto normativo da EC nº 103/19, que em seu art. 6º determinou:

 

"Art. 6º O disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional".

 

A norma em tela eximiu, portanto, da observância ao § 14 do art. 37 da Constituição Federal em que as aposentadorias que já houvessem sido concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda. O caso dos autos se refere a aposentadorias concedidas pelo RGPS antes da entrada em vigor da referida Emenda Constitucional. Sendo assim, com base no art. 6º da EC nº 103/2019, inviável a aplicação da regra contida no art. 37, § 14 da CF/88 a este caso específico. [...]

 

Desse modo, tendo em vista a regra de transição prevista no artigo 6º da EC nº 103/2019, entendo inaplicável, ao caso concreto , a regra contida no artigo 37, § 14 da CF/88. Sendo assim, a demissão realizada com base na alegada proibição constitucional de cumulação da aposentadoria pelo RGPS com os vencimentos do emprego público se mostrou, em verdade, inconstitucional, sendo cabível a reintegração pretendida na origem. Por essa razão, nego provimento, tal qual o Relator, aos recursos, embora o faça sob fundamento autônomo distinto, qual seja, a inaplicabilidade do artigo 37, § 14 da CF/88 por força do art. 6º da EC nº 103/2019.

 

Entendemos ser correta a interpretação dada ao artigo 6º da EC 103/19, uma vez que a ressalva aos casos de direito adquirido é clara: prevê que às aposentadorias, concedidas com data de vigência anterior à promulgação da Emenda Constitucional, não se aplicará o rompimento do vínculo público.

 

Por força do direito adquirido o empregado/servidor público que preenchia os requisitos para aposentar-se antes da Reforma da Previdência e não pôde, por algum motivo alheio a sua vontade (como por exemplo, a pendência de regularidade de algum período de trabalho junto ao INSS, ou a pendência de comprovação de atividade especial) dar entrada na solicitação administrativa em data anterior à promulgação da EC n° 103/19 lhe é resguardado o direito adquirido de cumular salário e benefício. Isto porque será requerido ao INSS que a data de vigência seja fixada na data em que o trabalhador implementou as condições para aposentar-se.

 

Conclusão completamente compatível com a redação do artigo 3º da EC 103/19, que afirma "será assegurada, A QUALQUER TEMPO, DESDE QUE tenham sido cumpridos os requisitos para obtenção desses benefícios ATÉ a data de entrada em vigor desta emenda constitucional".

 

Em suma, pela interpretação teleológica do ordenamento jurídico e com fundamento na tese ora firmada no julgamento do recurso extraordinário, para os funcionários que exerçam algum cargo, emprego ou função pública e já estejam aposentados pelo INSS em data anterior à 13/11/19, será resguardado o direito a permanecer com o vínculo público ativo.

 

Por outro lado, somente àqueles funcionários que cumprirem os requisitos para aposentadoria após a promulgação da emenda constitucional 103/19, utilizando parcela das contribuições vertidas no exercício de algum ofício público, poderão ter seus vínculos com o referido órgão automaticamente rompidos.

 

Por ora, o julgamento da Repercussão Geral está suspenso para prolação do Acórdão e da tese firmada, no entanto não se espera nenhuma determinação diferente do já trazido pelos ministros em seus votos.

 

Atualizado em: 24/3/2021 08:18

 

Claudia Caroline Nunes da Costa

Advogada previdenciária associada do escritório Cascone Advogados Associados. Bacharel em Direito pela PUC-Campinas. Pós-graduada em Prática Processual Previdenciária.

 

https://www.migalhas.com.br/depeso/342271/stf-decide-ser-possivel-a-acumulacao-de-proventos-e-beneficio