A GRANDE MANOBRA PARA NÃO SE FAZER CONCURSO PÚBLICO / ENTENDA UM POUCO DO HISTÓRICO ADIN 2135/2000
A GRANDE MANOBRA PARA NÃO SE FAZER CONCURSO PÚBLICO / ENTENDA UM POUCO DO HISTÓRICO
ADIN 2135/2000
16 anos após o ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2135/2000, pelos partidos de oposição à época (PT, PSB e PCdoB), agregando-se como signatários várias outras instituições interessadas, o Supremo Tribunal Federal, no dia 02/08/2007, suspendeu liminarmente, por oito votos a três, o caput do artigo 39 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998. A conseqüência da decisão foi o restabelecimento do texto original da Constituição de 1988, que mantém o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores públicos da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Antes da ADI, os partidos ingressaram, em 1998, com um mandado de segurança, que não foi julgado pelo STF.
O julgamento no Supremo não tratou do mérito, mas do processo de votação, disciplinado pelo art. 60, § 2º da Constituição, segundo o qual a Carta Política só pode ser alterada por 3/5 dos deputados e Senadores, em duas votações separadas, em cada Casa do Congresso. O texto proposto no substitutivo do relator da Proposta de Emenda à Constituição, deputado Moreira Franco (PMDB/RJ), para o caput do art. 39 da Constituição foi objeto de destaque para votação em separado e não alcançou, no primeiro turno, os 308 os votos para sua aprovação, o que levaria, automaticamente, à permanência do texto original da Constituição.
O relator, querendo ser mais realista que o rei, reconheceu a derrota do texto por ele proposto, mas não restabeleceu o texto original, transformando o § 2º do art. 39 no caput do mesmo artigo, numa fraude evidente do processo de votação. Incluiu como caput do art. 39 um texto que tinha sido aprovado como § 2º. Com essa manobra estava excluindo da Constituição, sem que tivesse sido aprovada sua supressão, o caput original do art. 39 da Constituição de 1988, exatamente o que tratava do regime jurídico único e dos planos de carreira.
No julgamento da ADI votaram pelo reconhecimento da fraude e, portanto, a favor do retorno do RJU os ministros Neri da Silveira, relator (já aposentado), Ellen Gracie (atual presidente) e os ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau, Carlos Ayres de Britto, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cesar Peluso (que havia pedido vistas da matéria). Votaram pela validação do texto que eliminava o RJU, os ministros Nelson Jobim (aposentado), Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. O processo ficou parado no período de 2002 a 2006 em decorrência de pedido de vista do então ministro Nelson Jobim, que contribuiu para retardar a derrota do Governo.
A decisão se deu em caráter liminar e, com efeito, ex-nunc. Isto significa que ainda haverá o julgamento definitivo e que, a partir da publicação da decisão liminar, não poderá haver contratação pelo regime de emprego no Governo Federal, apenas e exclusivamente pelo regime jurídico único ou de cargo efetivo. A lei que permitia a contratação por emprego público, que tinha sido utilizada durante o Governo FHC para contratação de um pequeno número de servidores do Hospital das Forças Armadas, agora fica sem qualquer validade.
Outra conseqüência importante da decisão é que o Governo, caso consiga aprovar o Projeto de Lei Complementar nº 92/2007 e decida pela criação de fundações de direito privado, com autorização legislativa em cada caso, não poderá adotar, para essas fundações, a contratação de pessoal pela CLT. Para tanto terá que alterar a Constituição, já que, segundo o caput do art. 39, ora restabelecido, só se admite a contratação de servidor para prestação de serviço público (na administração direta, autarquias e fundações públicas, o que abrange tanto as fundações públicas de direito público quanto de direito privado) mediante concurso público e em cargo efetivo, por força do regime jurídico único. Também há dúvida quanto a natureza jurídica do fundo de pensão dos servidores, mesmo existindo entidades similares no setor privado, embora haja juristas que defendem que as entidades fechadas de previdência privada, estruturadas sob a forma de fundação, por serem regidas pelo art. 202 da Constituição e sua regulamentação, são de tipo diferenciado.
Um dado importante desse processo é que o autor da ADI foi o advogado Luiz Alberto dos Santos, atual Subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil, que, injustamente, é acusado algumas vezes de ser contra os servidores públicos. É o mesmo advogado que, ainda em 2001, também em nome do PT, defendeu no STF a ADI por Omissão, também vitoriosa, determinando o cumprimento da revisão geral anual. Uma das maiores autoridades em administração pública no Brasil, ele era um dos integrantes do governo que mais se batiam em favor da paridade, da valorização e da profissionalização dos servidores públicos e da ampliação dos mecanismos de controle social na Administração Pública. Como era homem de Governo e profissional disciplinada, servidor público de carreira que conhecia os limites de sua atuação, defendeu com firmeza suas convicções, mas obedece e defendia as decisões de Governo, ainda que tivesse discordado e sido vencido em debates internos prévios à sua adoção. Ciente das possibilidades de êxito da ADI, teve papel importante para evitar que, no Governo Federal, fosse aplicada a lei do emprego público, tornando ainda mais complexa a solução do “imbróglio” jurídico criado pela fraude na promulgação da Emenda Constitucional 19 e na “quebra” irregular do regime jurídico único.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP - Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Fonte: Valor Econômico - 09/08/2007