SUSPENSÃO DO ART. 39 DA CONSTITUIÇÃO E O JULGAMENTO DO MÉRITO DA ADIN 2135 DIA 30.03.2017
A SUSPENSÃO DA VIGÊNCIA DO ARTIGO 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RETORNO AO REGIME JURÍDICO ÚNICO E O JULGAMENTO DO MÉRITO DA ADIN 2135 NO DIA 30 DE MARÇO DE 2017
O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria de seus Ministros, suspendeu liminarmente a vigência do caput do artigo 39 da Constituição Federal, conforme redação dada pela EC 19/98, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ao apreciar o pedido cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.135-4 – DF.
Com efeito, voltou a vigorar a redação originária do artigo 39 da Carta Magna, perfazendo renascer o Regime Jurídico Único – RJU para os planos de carreira dos servidores da Administração Pública Federal, das autarquias e fundações públicas.
Verificou-se que as normas de processo legislativo que inauguraram nova redação ao dispositivo constitucional em comento, não foram rigidamente observadas, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal.
Conforme salientou o Ministro Cezar Peluso em seu voto, ?…a proposta de alteração do caput do art. 39 da Constituição Federal não foi aprovada pela maioria qualificada de três quintos dos membros da Câmara dos Deputados, em primeiro turno de votação. Tal descumprimento da exigência prevista no art. 60, § 2.º, da Carta da República, e reproduzida no art. 202, § 7.º, do Regimento Interno daquela Casa Legislativa, impede possa reputar-se consentânea com a ordem constitucional a atribuição de novo texto àquele dispositivo constitucional.?
Na ocasião do destaque para votação em separado da proposta de nova redação do caput do art. 39 da Carta Maior, e objeto do art. 5.º da proposta de emenda constitucional, o novo texto só poderia considerar-se aprovado, se os votos favoráveis atingissem o quorum mínimo de três quintos dos respectivos membros, nos termos da letra do art. 60, § 2.º.
Ocorre que, a Comissão Especial de Redação, ao elaborar o texto enviado a segundo turno, deslocou o § 2.º do art. 39, parte integrante de todo art. 5.º do substitutivo e com ele aprovado, para o lugar do caput do art. 39.
Essa transposição redacional restou por macular inconstitucional a norma, uma vez que modificou, sem quorum necessário, o texto originário do dispositivo, acabando por não refletir a real intenção do legislador.
Portanto, hoje está suspensa a vigência do caput do artigo 39 da Constituição Federal, na redação dada pela EC 19/98, como também a opção da Administração Pública de adotar regimes jurídicos diferenciados – seja o estatutário, seja o da Consolidação das Leis do Trabalho, CLT – uma vez que se restabeleceu o texto previsto pelo Legislador Constituinte Originário, que previa Regime Jurídico Único – RJU para os servidores públicos da Administração Pública direta, das Autarquias e das Fundações Públicas.
A EC 19/98, na época de sua publicação, foi amplamente festejada como a ?Emenda da Reforma Administrativa?. Tais inovações refletiram significativamente na vida dos agentes públicos, visto que se alterou seu regime administrativo, princípios e normas.
Nos motivos da Reforma Administrativa, integrantes da Mensagem n.º 886/95, destacou-se que ?A reforma constitucional permitirá a implantação de um novo desenho estrutural na Administração Pública brasileira, que contemplará a diferenciação e a inovação no tratamento de estruturas, formas jurídicas e métodos de gestão e de controle, particularmente no que tange ao regime jurídico dos servidores, aos mecanismos de recrutamento de quadros e a política remuneratória?.
Muito embora tenha sido dado tom de modernidade ao novo sistema administrativo pátrio, especificamente em relação à extinção do regime jurídico único, houve pouca aceitação pela doutrina.
É reconhecido que o Estado requer um regime jurídico distinto, afeto ao do direito público e voltado a atender particularidades de um vínculo no qual estão em causa interesses de toda a coletividade, sendo os servidores públicos instrumentos próprios da atuação do Estado. Dessarte, alguns servidores públicos, por exercerem atribuições sensíveis e exclusivas de Estado, devem se submeter, obrigatoriamente, a regime jurídico estatutário. Por outro lado, o regime trabalhista deve ser adotado somente por exceção na esfera das pessoas jurídicas de direito público.
Na dicção de Marçal Justen Filho, em ?uma democracia republicana exige que as competências estatais fundamentais sejam exercitadas por indivíduos submetidos a vínculo jurídico apropriado. A condição de órgão do Estado impõe um regime jurídico diferenciado, próprio do direito público. Por isso, todas as atividades que materializem as competências essenciais do Estado devem ser exercitadas segundo o regime estatutário?. ?…a figura do empregado público é reservada para atividades destituídas de relevância política e que não traduzam as competências estatais mais essenciais. Não é casual, então, que o regime estatutário não seja aplicado no âmbito das pessoas estatais de direito privado, nem é estranho afirmar que o regime trabalhista será aplicado somente por exceção na esfera das pessoas estatais de direito público?(1).
Ainda, esclarece Regis Fernandes de Oliveira que ?…o Legislativo fez opção pelo regime de cargos públicos. A relação estatutária é que prevalece no relacionamento entre Estado e agentes. Não pode optar pelo regime celetista. Ao contrário, o Constituinte cuidou de indicar o regime estatutário, em diversos dispositivos, para deixar claro que pretendia que os serviços públicos fossem prestados por servidores admitidos, mediante um regime específico, que identificou, ao longo de dispositivos apropriados (art. 37 e seguintes). A tais servidores, fez incidir itens relativos ao regime celetista (§ 3.º do art. 39), o que não significa que os tenha equiparado. Instituiu vantagens, garantias específicas, formas de provimento etc. Enfim, instituiu um regime próprio, diferente do trabalhista?.(2)
Enfim, ensina Celso Antonio Bandeira de Mello que, ?… o regime normal dos servidores públicos teria mesmo de ser o estatutário, pois este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender a peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses empregatícios, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores públicos são os próprios instrumentos da atuação do Estado…?(3)
O Supremo Tribunal Federal já analisou a relevância da adoção do regime estatutário para atividades sensíveis do Estado, ao julgar a ADIN 2.310/DF, ajuizada contra a previsão contida na Lei 9.986/2000, que trata da possibilidade de ter-se a Consolidação das Leis do Trabalho como norma de regência das relações jurídicas entre as agências reguladoras e os respectivos prestadores de serviços, com base no entendimento de que o exercício de função de fiscalização, inerente à atividade precípua do Estado, pressupõe prerrogativas não agasalhadas pelo contrato de trabalho, tal como previsto na CLT.
O ex-ministro da Suprema Corte, Carlos Velloso, em seu voto, concluiu que ?…não se coaduna com os objetivos precípuos das agências reguladoras, verdadeiras autarquias, embora de caráter especial, a flexibilidade inerente aos empregos públicos, impondo-se a adoção da regra que é a revelada pelo regime de cargo público, tal como ocorre em relação a outras atividades fiscalizadoras – fiscais do trabalho, de renda, servidores do Banco Central, dos Tribunais de Contas etc.?
Por conseguinte, as atividades que materializam as competências essenciais do Estado voltadas a atingir fins sociais, indisponíveis e de prestação contínua, devem ser exercitadas segundo o regime estatutário, ao passo que regime trabalhista – muito embora nunca aplicado de forma irrestrita, mas derrogado em certos momentos pelos preceitos de Direito Público – seria admissível para o desempenho de determinadas atividades, desde que não resultem em risco para a consecução dos objetivos estatais.
Assim, a dualidade prevista no artigo 39 da Constituição Federal, em sua redação dada pela EC 19/98, não poderia colocar, em hipótese alguma, as investiduras do agente público como estatutário ou celetista – em idêntico patamar, nem sugerir discricionariedade de escolha do regime jurídico pela Administração Pública.
Neste momento, contudo, em razão da concessão de liminar com efeitos ex nunc na ADIN 2.135-4/DF, volta a vigorar tão somente o Regime Jurídico Único para os servidores públicos da Administração Pública direta, das Autarquias e das Fundações Públicas, devendo ser adotado unicamente o regime estatutário. A legislação editada durante a vigência do artigo 39, caput, com a redação da EC 19/98, continua válida, ficando resguardas as situações já consolidadas, até o julgamento do mérito, porém, a Administração Pública não poderá, nesse ínterim, realizar contratações de empregados públicos.
O que se pode esperar daqui para frente é a confirmação pelo Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade por vício formal do caput do artigo 39 da Constituição Federal, na redação dada pela EC 19/98, e a consolidação do Regime Jurídico Único ou, uma atitude ativa do Legislador Constituinte Derivado, no sentido de aprovar nova emenda constitucional que restabeleça a opção de regime administrativo a ser adotado pela Administração Pública para seus agentes públicos.
Fonte: Fabio A. Fressato Lessnau
Notas:
(1) JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 660
(2) OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Servidores públicos.São Paulo: Malheiros, 2004, p. 34-35.
(3) MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 22.ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, p 247
Fabio Alessandro Fressato Lessnau é advogado, especialista em Direito Tributário e Especialista em Direito Público. Diretor executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional ABDConst.